Por que estou preocupado com o futuro do openSUSE Leap?

A "plataformização" do Linux parece ter chegado para ficar e, com ela, grandes mudanças estão sendo introduzidas


Desde o anúncio da ALP (Adaptable Linux Platform) pela SUSE, empresa de soluções baseadas em Linux, e pelo openSUSE, projeto comunitário, o openSUSE Leap parece ter entrado em rota de colisão com o SUSE Enterprise Linux e seu futuro é bastante incerto. No início de agosto, a empresa alemã afirmou que a empreitada está evoluindo, destacando uma série de supostos benefícios.

Com antigos membros raivosos da comunidade do openSUSE integrados à SUSE (cof, cof, Richard Brown) vomitando baboseiras (um eufemismo poético para ameaças debochadas) no subreddit do openSUSE, somada às discussões públicas e a própria apatia da comunidade como um todo, tanto internacional, quanto brasileira, eu tenho apostado que as chances de que o openSUSE Leap seja descontinuado são imensas.

Da minha parte, simplesmente me recuso a realizar a migração para um sistema operacional orientado em torno de contêineres e de uma raiz imutável. Este sistema, que será baseado no MicroOS, simplesmente não é pra mim. Meus fluxos de trabalho não estão orientados em torno do GNOME ou de aplicativos distribuídos via Flatpak, com distribuição relapsa e inchada por design. Se eu quisesse um modelo de distribuição relapso, eu utilizaria o Microsoft Windows e, se fizesse questão de uma base imutável, eu utilizaria macOS.

Ora, se o problema é ter a capacidade de se proteger em relação às pragas que afetam o Windows, basta virtualizá-lo com pouca sobrecarga, potencialmente isolando algumas atividades (como navegação na Internet). Para tanto, qualquer distribuição Linux leve serve. Mesmo o Alpine Linux, baseado em musl e busybox (!), deve ser suficiente, já que ele suporta KVM com alguns poucos comandos e fazer snapshots não é muito difícil. Uma solução do tipo é extremamente robusta para aplicativos técnicos, científicos e de automação de escritórios, salvo aplicações que envolvam necessidade de aceleração 3D.

Até o anúncio da ALP, eu vinha tolerando os esforços da Red Hat na “plataformização” do Linux. Até então, eu achava que estava a salvo, embora já estivesse observando com preocupação as manobras da empresa do chapéu vermelho, tanto envolvendo o GNOME, que é um projeto historicamente patrocinado por ela, quanto envolvendo o systemd, um sistema de inicialização “tudo em um” inventado por ela, e que causou tanta discórdia, que o projeto Debian sofreu um racha, dando origem ao Devuan.

A ideia de “transformar o Linux numa plataforma” parece ganhar cada vez mais força. Tenho notado que uma série de desenvolvedores e usuários, aparentemente, querem um sistema operacional mais próximo do macOS. Tecnologias como o GNOME e um GTK cada vez mais hostil, systemd, OSTree, Flatpak e Wayland são parte do caminho, com nítido apoio da Red Hat e de vários membros da comunidade, seja conscientemente ou por pura ingenuidade.

Historicamente, sistemas operacionais baseados em Linux sempre nadaram num grande oceano de fragmentação. Alguns padrões eram relativamente bem-aceitos, outros, nem tanto, mas no geral, tudo coexistia de forma relativamente pacífica.

Em nenhum momento, tentávamos sufocar o caráter comunitário, capturando o desenvolvimento e asfixiando a viabilidade das divergências. Em nenhum momento, tratávamos a fragmentação como inimiga. Mas tudo mudou. E mudou porque deixamos que componentes críticos caíssem nas mãos de ou fossem inteiramente desenvolvidos por empresas que não estão comprometidas com as comunidades construídas até aqui.

Agora que a Mandriva e outros atores do passado se tornaram uma mera nota de rodapé ou um verbete esquecido na Wikipédia, a posição da SUSE vai torná-la signatária de um contrato de dependência tecnológica com a Red Hat. Eu prevejo que o resultado será aumentar o esvaziamento do caráter comunitário dos sistemas operacionais baseados em Linux. Não é pouca coisa em termos de ameaça, pois a Red Hat tem tudo para sair como a principal vencedora do processo, tendo ainda mais espaço para impor mais e mais padrões.

Com a SUSE, principal concorrente da Red Hat, matando a versão comunitária de sua tradicional distribuição para empresas, enquanto simultaneamente expandindo a oferta de sistemas operacionais com raiz imutável, morre a principal empresa contrabalanceadora do setor.

Apesar da imagem de difícil e esotérico, eu noto que as comunidades de sistemas baseados em Linux estão repletas de usuários casuais ou hobistas, que gastam a maior parte do tempo navegando e jogando. Muitos desses usuários não estão preocupados com uma narrativa sabotadora em torno do X.Org, nem com os rumos da versão mais recente do toolkit GTK, produto de uma postura insolente que tem sido alvo de críticas há anos, levando projetos como LXDE, Audacious e Wireshark a abandonarem o toolkit por completo. Na verdade, o que eu percebo é que, mesmo com o tapete sendo puxado, diferentes distribuições oferecem facilidade e praticidade sem a necessidade de uma raiz imutável ou de outras invencionices mais recentes da turma do chapéu vermelho.

Na minha opinião, tentar capturar estrategicamente o desenvolvimento para matar a fragmentação só vai servir para minar a inovação no ecossistema Linux. Para quem quer um macOS, ótimo, vocês estão conseguindo, mas a ficha da comunidade vai cair em algum momento e eu não espero nada além de desgastes, flamewars e retrocessos.

Eu lamento por ter achado que as críticas ao systemd eram apenas produto de má vontade, ignorando elementos políticos importantes.

E, para encerrar, eu não tenho nenhum problema com qualquer tentativa de engessar um sistema baseado em Linux a partir do GNOME e de tantas outras tecnologias que nasceram justamente para isso. Meu problema é arrastar todo o resto do ecossistema para o mesmo buraco, que está sendo cavado por programadores pagos por meia dúzia de empresas, depois que milhares escreveram, testaram e se expuseram a códigos comunitários, construindo carreiras, negócios e produtos.